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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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* 7.140 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS * FEVEREIRO 2024

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Fado é verdade

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de Valentim Matias 

Meu amigo ouve bem o que eu te digo
O fado não é castigo de ninguém
Fado é verdade, ternura, realidade
Com mistura de saudade
Mas sabe bem

Canta ao amor
Por vezes ao sofrimento
Ou é lamento de quem o canta
Traz alegrias
Histórias de todos os dias
E inventa nostalgias na garganta


A guitarra é o braço a que se agarra
E convida para a farra numa boa
Marialva, que se deita embriagado
Com a garina a seu lado
Fado é Lisboa

Uma rosa especial

Valentim Matias / Alves Coelho *fado maria vitória*
Repertório de Valentim Matias 

Sabemos que o rosa é cor
Rosa também é mulher
Além da cor e do amor
A rosa também é flor
E não uma flor qualquer

Há rosas que vestem linho 
E usam finos bordados
Espalham escolhos p’lo caminho
Quando cravam seu espinho 
Em corações destroçados

Rosa vermelha atrevida 
A que chamam feiticeira
Por vezes é rosa esquiva
Mas é minha preferida
 Por ser rosa verdadeira

E nesta história de rosas 
Todas têm seu papel
Outras ficaram famosas
Ao passar de pão a rosas 
No regaço de Isabel  

Ciúmes da guitarra

Artur Ribeiro / Miguel Ramos *fado margarida*
Repertório de Ada de Castro 

Guitarra, porque ris enquanto canto
Não vês que tenho os olhos rasos d'água
Fazes parte de mim e no entanto
Nem sempre vais ao tom da minha mágoa

Se me sinto feliz é quando choras
Se choro, logo trinas a meu lado
Guitarra pensa bem que já são horas
De tu andares ao jeito do meu fado

Eu sei que tens razão, mas francamente
Uma guitarra assim, não acho bem
Tu sabes mais de mim que toda a gente
E não gostas que eu chore por ninguém

Lamentos

Letra e música de Ricardo Espírito Santo
Repertório de Fernando Farinha 

Porque mentes tanto
Mentes sem cessar
Mentira é a luz do teu olhar
Mentes quando falas

Mentes quando te calas
Mentira é o teu riso e o teu pranto

Mentira é o teu corpo fremente
As tuas carícias, os teus beijos
Falso é o calor fugaz 
Da tua pele ardente
E o ardor dos teus desejos

Dentro do teu peito

Tudo é de tal jeito
Que nem tu própria 
Sabes o que sentes
Os teus pensamentos

Ao sabor dos ventos
Que nem tu dás por isso
Quando mentes

Mas se assim em ti, tudo é mentira
Mente uma vez mais, por caridade
Diz-me que é o desvairo 
Do ciúme que m’inspira
Que o teu amor é verdade
Que o teu amor é verdade

Perdi-me na madrugada

Maria Helena Reis / Frederico de Brito *fado da azenha*
Repertório de Fernanda Maria 

Em certa noite encontrei
Perdidos na madrugada
Os meus sonhos de criança
Depois sozinha lembrei
Essa infância tão amada
Cheia de sol e de esperança

E nessa noite eu sorri
Da vida que vivo hoje 
Do amor da nostalgia
E ri-me também de ti
E do mundo que me foge 
Cada vez mais dia a dia

Mas essa noite acabou
Essa noite em que eu senti 
Que também feliz já fora
Agora não sei quem sou
Se uma mulher que ri 
Se uma criança que chora

Princesa

 *enxerto*
Ary dos Santos / Armandinho *fado alexandrino antigo
Repertório de Valentim Matias 

Era uma vez um país na ponta do fim do mundo
Onde o mar não tinha eco, onde o céu não tinha fundo
Onde longe longe longe, mais longe que a ventania
Mais longe que a flor da sombra, ou a flor da maresia

em sete lagos de lume, sete castelos de sal
Sete cristais de perfume, sete lâmpadas de vinho
Sete punhais de ciúme, sete coroas de azevinho
Sete pétalas de mel, sete pulseiras de sal

Uma princesa vivia com sete véus de coral
Sete estrelas por docel, sete pedras por degrau
Sete nuvens por anel e sete céus por caminho
Era uma vez um país na ponta do fim do mundo


Onde o mar não tinha eco, onde o céu não tinha fundo
Onde longe longe longe, mais longe que a luz do dia
Mais longe que a flor da sombra ou a flor da ventania
Uma princesa nascia da corola do seu tempo
Enquanto a neve caía dos seus dois braços de vento

Oceanos e marés

Leonel Moura / Daniel Gouveia *fado daniel*
Repertório de Leonel Moura 

Fui homem do mar um dia
E quando o barco partia
Levava a recordação
Também levava sinais
Da tua imagem no cais
Envolta na multidão

No mar que é traiçoeiro
Na rota de um marinheiro 
Uma onda se revolta
Nos meus sinceros desejos
Mando-te abraços e beijos 
Nas asas de uma gaivota

Nesse mar azul e forte
Tomava o rumo do norte 
Em águas que naveguei
E os ventos em calmaria
Trazem lembrança do dia 
Que o teu amor encontrei

Oceanos e marés
Desse mar de lés a lés 
Que embalam meu navegar
Levem de vez esta dor
Tragam de volta o amor 
Nas calmas ondas do mar

Bom tremelique

José Fernandes Castro / Neca Rafael *fado da foz*
Repertório de Zé Carvalho

Chama-se “Bom Tremelique”
O restaurante mais chique
Da minha cidade amada
Neste solar português
Uma dose dá p’ra três
Se dois... não comerem nada

Há rissóis de camarão
Há croquetes de vitela
Servidos com aparato
Mão de vaca sem ter mão
Há arroz de cabidela
Feito com sangue de pato

Língua de boi sofredor
Coelhinho à sacador
E bife à moda da casa
Temos leitão da Bairrada
E temos uma pomada
Que nos põe de grão na asa

Ovos moles ou mexidos
Pescadinha da graúda
Com o rabo na boquinha
Temos carapaus cozidos
E temos uma miúda
Que faz coisas na cozinha 

Excelente linguado
Com molho de berbigão
Tudo feito com ternura
E como prato afamado
Temos o tal salpicão
Com o bom grelo à mistura

Sobremesas variadas
Bananas e marmeladas
Sempre servido a preceito
É tudo à moda do Porto
E se a coisa der pró torto
Há solha a torto e a direito

Doce Maria da Paz

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de António Pinto Basto 

Cabelos negros
De pele morena, veludo
Olhos de amêndoa , dizendo
Que o que se vê não é tudo
De olhar tão doce
Parece pedir perdão
Como se pecado fosse
Nascer com um tal condão

Espalhas amor
Em tudo o que te rodeia
O teu corpo é a flor
Preferida da colmeia
E nos teus lábios 
Há sabor a doce mel
Teus sentimentos são sábios 
Retiras da vida o fel

Caminhas sempre
Pés bem assentes no chão
Respondes sempre presente
Ao chamar do coração 
E no teu peito 
Onde a guerra se desfaz
Eu te canto o meu respeito
Doce Maria da Paz

Fado português

António Torres / Fernando Ferreira / Alves Coelho 
Versão do repertório de Carlos Zel
Criação de Justina de Magalhães na Revista Paz Armada, 1919
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Da guitarra o doce arpejo 
Nem toda a gente o entende
O fado é tal e qual um beijo
Dum ser que à vida nos prende

P' ra se ter ao fado amor 
Basta ouvi-lo uma só vez
Mas tem muito mais valor 
Quando canta um português

Ouvindo a linda canção 
Ninguém se pode conter
É tão grande a comoção
Que no peito o coração 
Pulsa sempre de prazer

Sabe tão bem 
Ouvir o fado bem cantado
Numa noite de luar
Que encantos tem
Triste balada, doce toada
Que até nos convida a amar

Da guitarra o doce arpejo 
Nem toda a gente o entende
O fado é tal e qual um beijo 
Dum ser que à vida nos prende

Quem canta seu mal espanta 
Quem sofre, sabe cantar
O fadinho prende e encanta 
Fazendo as mágoas passar

Esta balada dolente 
Faz esquecer todo o mal
O fado dá alma à gente
E será eternamente 
A canção de Portugal

Nem todas as letras desta antologia serão comentadas, bastando-lhes 
o valor 
intrínseco para nela figurarem. Fica a advertência para os casos adiante não comentados.
No entanto, a que acabámos de transcrever merece a nota adicional de 
ter sido gravada por Carlos Zel, em 1984, para as 
“Seleções do Reader’s Digest”, na música original.

Luz

Letra e música de Fernando Girão *fado maria girão*
Repertório De Cláudia Leal 

És a luz da minha vida
A razão do meu querer
E eu sem ti não sei viver
Sei que nasci só para amar-te
E a criança que há em mim 
Não vai desaparecer

Eu quero ser sempre 
A dona dos meus sonhos
Contigo irei à procura de quem somos nós
Aprendi a não chorar se por acaso errar
Não importa o que sou se for feliz
Escrevendo o meu destino

Assim eu invento o nosso mundo
Na magia da emoção 
Que vive junto a nós
É tudo o que eu quero ter, além de ti
Quando estás ao meu lado
Posso enfrentar o mundo
Posso tudo fazer se for contigo,  eu sei

Guerreiros do amor nas lutas do bem
Amantes e irmãos também
Amantes e irmãos
Seremos nós por toda a vida
E assim será eterno o nosso amor
E assim será

Melhor de mim

AC Firmino / Tiago Machado
Repertório de Mariza 

Hoje a semente que dorme na terra
E que se esconde no escuro que encerra
Amanhã nascerá uma flor
Ainda que a esperança da luz seja escassa
A chuva que molha e passa
Vai trazer numa gota, amor

Também eu estou à espera da luz
Deixo-me aqui onde a sombra seduz
Também eu estou à espera de mim
Algo me diz que a tormenta passará
É preciso perder p’ra depois se ganhar
E mesmo sem ver, acreditar

É a vida 
Que segue e não espera p’la gente
Cada passo que demos em frente
Caminhando sem medo de errar
Creio que a noite 
Sempre se tornará dia
E o brilho que o sol irradia
Há de sempre me iluminar

Quebro as algemas neste meu lamento
Se renasço a cada momento
Meu destino na vida é maior

Também eu vou em busca de luz
Saio daqui onde a sombra seduz
Também eu estou à espera de mim
Algo me diz que a tormenta passará
É preciso perder p’ra depois se ganhar
E mesmo sem ver, acreditar

Sei que o melhor de mim está p’ra chegar
Sei que o melhor de mim está por chegar

Do Castelo vi Lisboa

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de Rodrigo 

Fui até ao Castelo
Para te olhar, ó cidade
Notei que tens mais rugas
É natural da idade
Lembrei há quanto tempo 
D. Afonso te conquistou
E de então para cá 
Qanto mudou

Tuas sete colinas não mudaram
Como sete meninas, encantaram
Poetas, prosadores, tanto te amaram
E o Tejo amigo, casou contigo
Não se deixaram

Partiram caravelas
Ali, do teu mar da Palha
E nas tuas vielas 
Cantou-se o fado canalha
Tiveste teus heróis 
E pregões tradicionais
E o Marquês de Pombal 
Não esqueces mais

Rosinha da Serra d’Arga

Popular
Repertório de Mísia 

Ao sair de Dei perdi um dedal
Com letras que dizem “Viva Portugal”
Viva Portugal, viva Portugal!
Ao sair de Dei perdi um dedal

Ó minha Rosinha, eu hei de ter amar
De dia ao sol, de noite ao luar
De noite ao luar, de noite ao luar
Ó minha Rosinha, eu hei de te amar

Ó minha Rosinha, estrela do mar
Tu vais p’ra Lisboa, deixas-me ficar
Deixas-me ficar, deixas-me ficar
Ó minha Rosinha, estrela do mar

Ó minha Rosinha, do meu coração
Tu vais p’ra Lisboa, não levas paixão
Não levas paixão, não levas paixão
Ó minha Rosinha, do meu coração

Ó minha Rosinha, eu hei de ir, eu hei de ir
Jurar a verdade, que eu não sei mentir
Que eu não sei mentir, que eu não sei mentir
Ó minha Rosinha, eu hei de ir, eu hei de ir

Avenidas

Letra e música de Marco Oliveira
Repertório do autor 

Em que noite t’escondes
Em que ruas se cruzaram 
Os meus olhos com os teus
Por que ventos respondes
E pressinto no silêncio 
A tristeza de um adeus

Porque ainda me lembro 
Das luzes de dezembro
O calor das avenidas 
Um inverno em nossas vidas

Por que céus e oceanos
Hei-de lembrar o teu corpo 
Uma ilha que me acolheu
E quem sabe quantos anos
Vão passar até que a gente 
Veja ao espelho o que perdeu

De que sombras, de que medos
De que mágoas e segredos 
Se perderam nossas vidas por aí
Porque ainda me lembro
Dos beijos de dezembro 
Meu bem, o que é feito de ti?

Quero cantar

Manuel de Almeida / António Parreira
Repertório de Manuel de Almeida 

O fado tenho cantado 
No meu estilo verdadeiro
A ele me tenho dado 
E entregue de corpo inteiro

Com a esperança prometida 
Fiz do fado com prazer
O jeito d’estar na vida 
Enquanto vida tiver

Quero cantar
Recordando sonhos meus
E de mim só peço a Deus
Que o fado nunca se queixe
Quero cantar
Quero cantar livremente
Ao meu povo, à minha gente
Até que a voz me deixe

Quando um dia se calar 
Para sempre a minha voz
A guitarra há-de lembrar 
O amor que houve entre nós

Vergado ao peso da culpa 
Se culpa houver, meu Senhor
Ao fado peço desculpa 
Por não ter feito melhor

Fim de semana

Valentim Matias / Eduardo Lemos
Repertório de Rodrigo

O sol já despontou, é domingo
O céu surgiu azul, primavera
Eu fico mais um pouco
Entre os lençóis contigo
Lá fora está o dia à nossa espera

É bom chegar 
Ao desejado fim de semana
P‘ra descansar
Sem ter de andar 
Engravatado, no autocarro
A transpirar
É bom sentir 
Que ainda há vida para viver
Sem ter de ser essa corrida
Que nos põe loucos e faz sofrer


De tarde vou até à beira-mar
E faço uma paragem p‘ra pensar
Que a vida não é só de loucas correrias
Pois também o descanso tem seus dias

Hoje o almoço 
Não é croissant comido ao balcão
Isso é prá manhã
Vai ser sentado
Saboreado, bem instalado
Como um páxá
E as crianças brincam contentes 
À nossa volta
Esquecem as amas 
Esquecem a escola
E à rédea solta jogam à bola

Jasmim

Vasco Graça Moura / António Quintino
Repertório de Joana Amendoeira

Já sei que vais partir e que a distância
Vai transformar-se em dor dentro de mim
E na saudade alastra uma fragância
Que é feita de tristeza e de jasmim

Vai perfurmar-se  a minha solidão
Com luzeiros da noite a iluminá-la
E nos dias de mansa viração
Há-de acalmar enquanto o Tejo a embala

Mas hão-de vir também os vendavais
E os temporais sem astros e sem lua
E eu vou ter mais saudades, mais e mais
Sem o som dos teus passos pela rua

Amor, ó meu amor e meu perfume
Minha essência da vida, desatino
Desta melancolia que resume
Num cheiro de jasmim o meu destino

Missangas

Paulo Abreu Lima / Paulo de Carvalho
Repertório de Mariza

Traz o cabelo enfeitado
De missangas coloridas
Um brinco de cada lado
Como um raminho de espigas

Não será a mais formosa 
De todas as raparigas
Mas tem o nome da rosa 
Que me inspira nas cantigas

Lá vai ela de ir à fonte 
Talvez se cruze comigo
Onde o rio abraça a ponte 
E nas margens cresce o trigo

E por mor deste calor 
Talvez me mate esta mágoa
Nos braços do meu amor 
Servidos num copo de água

O teu cabelo, menina 
Faz-me lembrar amanhã
Com caracóis nos teus braços 
Feitos novelos de lã

Acordo à luz dos teus olhos 
Que se espreguiçam nos meus
Como um milagre de vida 
E qualquer coisa de Deus

Rua do fado

Clemente Pereira / João Alberto
Repertório de Mariana Silva 

Querem saber
Qual a rua, finalmente
Onde mora ternamente
O fado por nós cantado
Eu vou dizer:
Qualquer rua onde o queixume
Fale d'amor e ciúme
Pode ser rua do fado      

Rua do fado 
É toda aquela onde mora
Uma voz triste que chora
Cantando o que a alma sente
E onde existe 
Uma guitarra trinando
Ternamente acompanhando
Essa tristeza da gente

Mesmo distante
Das ruas a quem deu fama
Da Mouraria e d’Alfama
Bairro Alto e Madragoa
É bem vibrante
Porque ele não foi fadado
Para cumprir o seu fado
Só nas ruas de Lisboa

Fado das touradas

José Galhardo / Hugo Vidal
Repertório de Hermínia Silva 
Criação de Hermínia Silva na revista *Zé das patacas* 
Teatro Apolo em 1943
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Se o Simão contra um Caraça 
Vem à praça
É então com bizarria 
Que a corrida tem mais graça
E se mostra  nossa raça 
Da mais nobre valentia

E se houver toiros de morte 
E o rojão em mão certeira
Dando ao toiro o passaporte
P’ra vingar a triste sorte 
De Fernando de Oliveira

E como louco aos seus heróis
O povo aplaude numa ovação
Vê o Tinoco, o Mourisco, o Vitorino Fróis
Num tourear de Núncio ou de Simão

A bancada até delira quando à tira
Com maior desembaraço 
O mais novo Casimiro 
Crava um ferro todo giro 
Mesmo em cima do cachaço

E seu pai que ‘inda é caudilho 
A provar que é ser cavaleiro
Num só curto mostra ao filho
A destreza, a força, o brilho 
Da su’alma de toureiro

Este fado, retomado em muitas gravações posteriores, entre outras, por
Manuel Fria, Humberto Sottomayor ou Maria Mendes, teve, na voz de
Hermínia Silva, não só a marca inconfundível do seu casticismo
como uma originalidade: o refrão trauteado em murmúrio
(a bocca chiusa, ou seja, de boca fechada, na terminologia do canto lírico). 

Seria um recurso não mais retomado, nem por ela nem por ninguém, talvez
pela pouca sonoridade em atuações «ao vivo», ou por ter sido substituído
mais eficazmente pelos trauteios em «triá lá lá…» com que Hermínia
ornamentava o refrão de tantos dos seus fados, de mão no ar e trejeito brejeiro.

Este fado, pela terminologia tauromáquica empregada e pela evocação de grandes
figuras do toureio a cavalo, quase todas vitimadas por um destino trágico, merece
análise mais pormenorizada.

Assim, um «caraça» é um toiro com uma malha clara ou mesmo branca na testa
que pode prolongar-se até ao focinho. A alusão a toiros de morte constitui mais
um desejo dos «aficionados» radicais, do que um facto histórico, pois na época
tratada a morte do toiro na arena era, como ainda é, proibida em Portugal.

Rojão é o ferro com que em Espanha o cavaleiro mata o toiro no final da lide
(daí o cavaleiro tauromáquico chamar-se, em castelhano, rejoneador). 

«À tira» é uma das formas de cravar a bandarilha, no toureio a cavalo, arrancando
o cavaleiro de uma posição lateral em relação ao alinhamento do toiro, por oposição 
«de caras», em que o arranque é frontal. «Curto» é uma das bandarilhas de cavaleiro
por oposição a «comprido», ferro mais longo mas que se parte no acto de cravar
ficando uma secção ainda mais curta que o «curto» presa ao animal e o resto na mão do cavaleiro.

Os cavaleiros aqui citados constituiriam um cartaz de luxo, não fora a distância
no tempo impedir a sua aparição simultânea em praça.

A ordem de aparição na letra também não é cronológica.

Simão da Veiga (1903-1959) toureou entre 1915 e 1959, sofrendo, durante
a sua última corrida, nas Caldas da Rainha, um enfarte de miocárdio que o
vitimou quatro dias depois. À data da feitura desta letra, estaria em plenas funções.

Fernando de Oliveira, citado a seguir, foi colhido mortalmente na praça do
Campo Pequeno, em 12 de Maio de 1904. Trata-se, pois, de uma evocação.

Alfredo Tinoco da Silva toureou na última corrida realizada na extinta praça
do Campo de Santana, em 1887, e na primeira da atual praça do Campo Pequeno
alternando precisamente com Fernando de Oliveira, em 1892.

Manuel Mourisca ainda toureou na praça do Campo de Santana.
Vitorino Fróis foi famoso nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX
tendo morrido cerca de 1938. Estaria, pois, na memória de quem ouvisse este fado.

João Branco Núncio (1901-1976) toureou pela primeira vez aos 13 anos de idade
mas foi entre 1917 e 1973 que toureou com maior frequência.

Simão da Veiga é citado pela segunda vez nesta letra.

Manuel Casimiro de Almeida (1854-1925) tomou a alternativa em 1892, dada
por Alfredo Tinoco. Foi avô da atriz Mirita Casimiro.

José Casimiro de Almeida, filho do anterior, tomou alternativa em 1903
e atuou muitas vezes com seu pai, cuja fama suplantou.
Retirou-se em 1931.

Foi pai da atriz Mirita Casimiro e de dois outros cavaleiros tauromáquicos
Manuel e José, que assim asseguraram a terceira geração desta família
tauromáquica, mas não foram citados nesta letra.

Gente perigosa

António José / Jaime Santos *fado latino*
Repertório de Maria de Fátima 

Passei por essa gente de fronte erguida
E até gostei da minha solidão
Fizeram num inferno a minha vida
É gente perigosa e sem perdão

Intrigas e calúnias inventaram
Fizeram tudo para me perder
E todos nesta rua acreditaram
Porque eu não me sabia defender

Só via o teu amor à minha frente
Sem ver que tu e eles são iguais
Quando déste razão a essa gente
Porque partiste e não voltaste mais

Agora essa gente não me assusta
Passaram anos, eu estou diferente
De tanto que aprendi à minha custa
Eu sou mais perigosa que essa gente

Às vezes digo até por brincadeira
De mim não percam mais tempo a falar
Os cães podem ladrar a noite inteira
Que a caravana sempre há-de passar

Sou fadista

Letra e música de João Nobre
Repertório de Ada de Castro

Não sou fadista de raça
Graça ou desgraça, vocês dirão
Sem ser Amália ou Severa
Sou tão sincera, como as que são

Gosto do fado, vencida
Mais que da vida, mais que de mim
Uma guitarra a gemer, podem crer
Eu hei-de ser sempre assim

Se ser fadista é pecado
Sou fadista sim senhor
Se é ter no fado um passado
Sou fadista sim senhor
Senti-lo à pele agarrado
Sou fadista sim senhor
Se é numa voz portuguesa
Chorar é tristeza, cantar é dar brado
Sei ser castiça no fado e no amor
Sou fadista sim senhor

Sinto-me bem nos retiros
Sítios mais giros que esses não há
Cheiram-me a espera de gado
Sabem-me a fado, gosto de ir lá

Tem tradições de algazarra
Há ali guitarra, tocam-se ali
Vou lá cear, mas acabo a cantar

Foi p’ra cantar que eu nasci

A carta do adeus

Maria L. Moniz Pereira / Mário Moniz Pereira
Repertório de Celeste Rodrigues 

Eu vou escrever outra vez 
Mais uma carta de adeus
Mais uma carta perdida 
Errada como esta vida
Que eu agradeci a Deus
Porque foi Deus que te fez

Meu amor, tu não me vês
Só vês a carta que lês
Não vás portanto inventar
Que a estou escrevendo a chorar;
Se estou bem, ou se estou mal
Isso agora é quase igual
Nesta carta que aqui vês
Vê apenas o que lês

Eu já não posso ceder 
Um dia tinha de ser
Um dia tinha de vir 
Em que fosse eu a partir
Em que fosse eu a dizer
Meu amor, não pode ser

A carta chegou ao fim
E bem ou mal redigida
Leva tudo o que há de mim
Leva toda a minha vida

Procura

António de Sousa / Alain Oulman
Repertório De Amália 

Corri a terra, o mar, o céu azul
Dentro e fora de mim de norte a sul
O que buscava assim não o sabia
Pedia-me mentiras e sorria


Se passava entre flores ali ficava
E a beijos que pedissem me emprestava
Mas nenhuma das flores era a flor
E nenhum dos amores era o amor

O que buscava assim não sabia
Pedia-me mentiras e sorria
Quantos caminhos andados e perdidos
Nos caminhos mortais dos meus sentidos

E um dia, o da verdade, veio a mim
E agora já me dou princípio e fim
Sou toda cicatrizes e cansaços
Mas tenho enfim, o abraço dos teus braços

Portugal somos nós

António Laranjeira / Raul Ferrão *fado alcântara*
Repertório de António Laranjeira 

Se neste fado, há pressa num sonho novo
Quisera levar ao povo, mais alegria
Em cada dia, quando tudo recomeça
Vencer é uma promessa, com valentia

Por esta hora do outro lado do mar
Há portugueses a lutar com devoção
Por Portugal, há pátria no pensamento
Num golo de sofrimento, pela nação

Meu país, cantamos por ti
Choramos por ti, gritamos quem és
Há heróis a sofrer como nós
Com Amália na voz e Eusébio nos pés
Minha voz que se junta à tua
E que te defende com o coração
Vem gritar Portugal p’ra rua
Que ninguém recua, nem perde a razão

Se mais um golo... acende por todo o lado
A luz na pátria no fado, em toda a gente
Pela cidade, num lugar ou numa aldeia
A fé o povo semeia, solenemente


Por esta hora, há um sentir português
Crescendo de lés a lés, p’lo mundo fora
Dentro do peito, há um grito de vitória

Que vai ficar na memória... chegou a hora