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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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Fado falado

Aníbal Nazaré / Nélson de Barros / António Barbosa

Fado triste… 
Fado negro das vielas
Onde a noite quando passa 
Leva mais tempo a passar
Ouve-se a voz
Voz inspirada duma raça
Que mundo em fora nos levou 
P’lo azul do mar
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar

Mãos doloridas na guitarra 
Que desgarra dor bizarra
Mãos insofridas, mãos plangentes
Mãos frementes, impacientes
Mãos desoladas e sombrias
Desgraçadas, doentias
Onde há traição, ciúme e morte
E um coração a bater forte

Uma história bem singela;
Bairro antigo, uma viela
Um marinheiro gingão
E a Emília cigarreira
Que ainda tinha mais virtude 
Que a própria Rosa Maria
No dia de procissão 
Da Senhora da Saúde

Os beijos que ele lhe dava
Trazia-os ele de longe
Trazia-os ele do mar
Eram bravios e salgados
E ao regressar à tardinha
O mulherio tagarela 
De todo o bairro de Alfama
Cochichava em segredinhos
Que os sapatos dele e dela 
Dormiam muito juntinhos 
Debaixo da mesma cama

P’la janela da Emília entrava a lua
E a guitarra à esquina duma rua 
Gemia, dolente a soluçar

E lá em casa:
Mãos amorosas na guitarra 
Que desgarra a dor bizarra
Mãos frementes de desejo
Impacientes como um beijo
Mãos de fado, de pecado
A guitarra a afagar
Como um corpo de mulher 
Para o despir e para o beijar

Mas um dia:
Mas um dia santo Deus
Ele não veio
Ela espera olhando a lua
Meu Deus, que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca
Mas não marca a sombra dele

Procurou-o como doida 
E ao voltar duma esquina
Viu-o a ele acompanhado
Com outra ao lado de braço dado
Gingão, feliz, rufião
Um ar fadista e bizarro
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha 
O que resta dum cigarro

Lume e cinza na viela
Ela vê, que homem aquele
O lume no peito dela
A cinza no olhar dele

E então:
E o ciúme chegou como lume
Queimou o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio 
Labareda atear 
A fogueira aumentar
Foi a visão infernal
A imagem do mal 
Que no bairro surgiu
Foi o amor que jurou
Que jurou e mentiu

Correm em vertigem num grito
Direito ao maldito 
Que a há-de perder
Puxa a navalha, canalha
Não há quem te valha
Tu tens que morrer
Há alarido na viela
Que mulher aquela
Que paixão a sua
E cai um corpo sangrando 
Nas pedras da rua

Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
Mãos que o fado compreendem 
E entendem sua dor
Mãos que não mentem 
Quando sentem
Outras mãos para acarinhar
Mãos que brigam, que castigam
Mas que sabem perdoar

E pouco a pouco 
O amor regressou
Como lume queimou 
Essas bocas febris
Foi um amor que voltou 
E a desgraça tocou 
Para ser mais feliz
Foi uma luz renascida
Um sonho, uma vida 
De novo a surgir
Foi um amor que voltou
Que voltou a sorrir

Há gargalhadas no ar 
E o sol a vibrar 
Tem gritos de cor
Há alegria na viela 
E em cada janela 
Renasce uma flor
Veio o perdão e depois 
Felizes os dois 
Lá vão lado a lado
E digam lá se pode ou não 
Falar-se o fado