-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

. . .

7090 LETRAS <> 3.082.000 VISITAS em FEVEREIRO 2024

. . .

Alice no país dos matraquilhos

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Cristina Branco

Mãe fora, em que avenida
Olhos que a perseguem pagam, comem
Pai dentro, lambendo a ferida
Com que o desemprego marca um homem;
E o irmão na caserna 
Puxando às armas brilhos
E Alice no café
Habitante do país dos matraquilhos

Na classe dos repetentes
Hoje vai haver mais uma falta
Alice cerra os dentes 
Vendo a bola que no ar ressalta
Quer lá saber do exame
Quer lá saber da escola
Aguenta no arame
Matraquilho nunca cai ao ir à bola

Alice no país dos matraquilhos
É mais do que no bairro onde vive
Tem-te, não cais

Há também Leonor
Libertada da prisão há meses
Dizem que é por amor 
Que olha tanto por Alice, às vezes
Pousa-lhe a mão na cara
Protege-a de sarilhos
Alice nem repara
Viajou para o país dos matraquilhos

E o irmão na caserna
Cambaleia entre a cerveja e a passa
Tem o sargento à perna
O tal que compara a guerra à caça
Faz tempo que descobre 
Que é um matraquilho mais
Soldadinho de cobre
Matraquilho no país dos generais

Quando se cai na lama 
Ninguém pára pra nos levantar
Por Alice, o pai reclama
A tua mãe não veio p’ra jantar
E os insultos noite fora
Desfia-os em chorrilhos
Alice nunca chora
Adormece no país dos matraquilhos

E a mãe no Bar do amor 
Passa as horas na conversa mole
Espera o seu protetor
Que o seu corpo a ele enfim se cole
Não é que não recorde 
Os que deixou em casa
Mas eis que chega o Ford 
E dentro vem o seu pavão de anel na asa

Entra então no café 
Um rapaz de capacete em punho
Fica-se ali de pé
Escreve num papel um gatafunho
E a Alice vê surpresa
Frases que são rastilhos
Como vai sua alteza
Rainha do país dos matraquilhos

E tu ainda és o rei
Será que vieste em meu auxílio
A bem dizer, já não sei
Há tantos anos que ando no exílio
Vamos a um desafio, atira tu primeiro
A vida está por um fio 
Para quem é deste bairro prisioneiro

O café que ali houve 
É uma loja com ares de modernice
E nunca ninguém mais soube
A não ser a Leonor da Alice
Aqui vai, Leonor
A foto dos meus dois filhos
Se reparares melhor
Têm pinta assim, sei lá, de matraquilhos