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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os legítimos criadores dos temas aqui apresentados.
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Fado das touradas

José Galhardo / Hugo Vidal
Repertório de Hermínia Silva 
Criação de Hermínia Silva na revista *Zé das patacas* 
Teatro Apolo em 1943
Informação de Francisco Mendes e Daniel Gouveia
Livro *Poetas Populares do Fado-Canção*

Se o Simão contra um Caraça 
Vem à praça
É então com bizarria 
Que a corrida tem mais graça
E se mostra  nossa raça 
Da mais nobre valentia

E se houver toiros de morte 
E o rojão em mão certeira
Dando ao toiro o passaporte
P’ra vingar a triste sorte 
De Fernando de Oliveira

E como louco aos seus heróis
O povo aplaude numa ovação
Vê o Tinoco, o Mourisco, o Vitorino Fróis
Num tourear de Núncio ou de Simão

A bancada até delira quando à tira
Com maior desembaraço 
O mais novo Casimiro 
Crava um ferro todo giro 
Mesmo em cima do cachaço

E seu pai que ‘inda é caudilho 
A provar que é ser cavaleiro
Num só curto mostra ao filho
A destreza, a força, o brilho 
Da su’alma de toureiro

Este fado, retomado em muitas gravações posteriores, entre outras, por
Manuel Fria, Humberto Sottomayor ou Maria Mendes, teve, na voz de
Hermínia Silva, não só a marca inconfundível do seu casticismo
como uma originalidade: o refrão trauteado em murmúrio
(a bocca chiusa, ou seja, de boca fechada, na terminologia do canto lírico). 

Seria um recurso não mais retomado, nem por ela nem por ninguém, talvez
pela pouca sonoridade em atuações «ao vivo», ou por ter sido substituído
mais eficazmente pelos trauteios em «triá lá lá…» com que Hermínia
ornamentava o refrão de tantos dos seus fados, de mão no ar e trejeito brejeiro.

Este fado, pela terminologia tauromáquica empregada e pela evocação de grandes
figuras do toureio a cavalo, quase todas vitimadas por um destino trágico, merece
análise mais pormenorizada.

Assim, um «caraça» é um toiro com uma malha clara ou mesmo branca na testa
que pode prolongar-se até ao focinho. A alusão a toiros de morte constitui mais
um desejo dos «aficionados» radicais, do que um facto histórico, pois na época
tratada a morte do toiro na arena era, como ainda é, proibida em Portugal.

Rojão é o ferro com que em Espanha o cavaleiro mata o toiro no final da lide
(daí o cavaleiro tauromáquico chamar-se, em castelhano, rejoneador). 

«À tira» é uma das formas de cravar a bandarilha, no toureio a cavalo, arrancando
o cavaleiro de uma posição lateral em relação ao alinhamento do toiro, por oposição 
«de caras», em que o arranque é frontal. «Curto» é uma das bandarilhas de cavaleiro
por oposição a «comprido», ferro mais longo mas que se parte no acto de cravar
ficando uma secção ainda mais curta que o «curto» presa ao animal e o resto na mão do cavaleiro.

Os cavaleiros aqui citados constituiriam um cartaz de luxo, não fora a distância
no tempo impedir a sua aparição simultânea em praça.

A ordem de aparição na letra também não é cronológica.

Simão da Veiga (1903-1959) toureou entre 1915 e 1959, sofrendo, durante
a sua última corrida, nas Caldas da Rainha, um enfarte de miocárdio que o
vitimou quatro dias depois. À data da feitura desta letra, estaria em plenas funções.

Fernando de Oliveira, citado a seguir, foi colhido mortalmente na praça do
Campo Pequeno, em 12 de Maio de 1904. Trata-se, pois, de uma evocação.

Alfredo Tinoco da Silva toureou na última corrida realizada na extinta praça
do Campo de Santana, em 1887, e na primeira da atual praça do Campo Pequeno
alternando precisamente com Fernando de Oliveira, em 1892.

Manuel Mourisca ainda toureou na praça do Campo de Santana.
Vitorino Fróis foi famoso nos finais do séc. XIX e princípios do séc. XX
tendo morrido cerca de 1938. Estaria, pois, na memória de quem ouvisse este fado.

João Branco Núncio (1901-1976) toureou pela primeira vez aos 13 anos de idade
mas foi entre 1917 e 1973 que toureou com maior frequência.

Simão da Veiga é citado pela segunda vez nesta letra.

Manuel Casimiro de Almeida (1854-1925) tomou a alternativa em 1892, dada
por Alfredo Tinoco. Foi avô da atriz Mirita Casimiro.

José Casimiro de Almeida, filho do anterior, tomou alternativa em 1903
e atuou muitas vezes com seu pai, cuja fama suplantou.
Retirou-se em 1931.

Foi pai da atriz Mirita Casimiro e de dois outros cavaleiros tauromáquicos
Manuel e José, que assim asseguraram a terceira geração desta família
tauromáquica, mas não foram citados nesta letra.